Lisboa, 24 de agosto de 2023 (quinta-feira)
- David Baptista Farto

- 24 de ago. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 25 de set. de 2023
Arrisco a dizer que ser provinciano, hoje em dia, pelo menos no contexto português, já pouco ou nada tem a ver com a pertença a um meio pequeno e geralmente distante dos centros urbanos. Sobre este aspeto, como em tantos outros, é importante ver com olhos de ver para tirarmos as nossas próprias conclusões. Embora, como nos explica o dicionário, a palavra urbanidade continue a ser utilizada enquanto sinónimo de qualidade como a delicadeza, a elegância ou a finura, em contraponto ao conceito de rusticidade, entendido como aquilo que tem natureza grosseira, essa distinção, depreciativa e altamente arrogante, cada vez mais tonta é. Na verdade, para todos os efeitos, os transportes, a televisão, a rádio, o telefone, a internet e até mesmo a desenfreada urbanização fizeram-nos o favor de encurtar, ao ponto de quase fazer desaparecer, a distância física que antigamente opunha, como se de uma gigante e intransponível muralha se tratasse, aquilo que se entendia como sendo a civilização e o seu exato oposto. Ser provinciano tampouco se relaciona, atualmente, com a pronúncia ou o sotaque, características humanas, naturais e belas, que exibem, através das múltiplas sonoridades assumidas pela língua, a diversidade regional e, por conseguinte, a riqueza cultural de um país.
Damos à expressão uma expressão diferente, a qual podemos sintetizar deste modo: não se trata de um provincianismo com raízes geográficas ou relacionado com a expressão oral. Trata-se sim do "provincianismo mental", como designou Pessoa, contudo em termos ligeiramente distintos daqueles definidos pelo poeta. Ser provinciano é, nos dias que correm, demonstrar um espírito pequeno, arcaico, retrógrado. É um estado mental formado em ignorância, temperado com bafio e salpicado de mofo, para ser servido numa bandeja do mais decrépito preconceito; é uma característica que diminui a pessoa; no fundo, é um cativeiro de inteligência. Talvez a psicologia ajude a justificar tal tacanhez com um crónico complexo de inferioridade.
Todas as formas de provincianismo são inconscientes, e esta não foge à regra. Ninguém no seu perfeito juízo reconhece padecer da doença. Todos somos provincianos, cada um à sua maneira e feitio, todavia uns mais que os outros, diga-se em abono da verdade. O importante é a consciência de sermos, pois nesta província cabe o Mundo.
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